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Mães atípicas e o trabalho que não cabe na folha de ponto
Data de Publicação: 02/05/2025
Há uma categoria de servidoras públicas que permanece invisível nas estatísticas, nos editais de remoção, nas pautas institucionais. São mulheres como tantas outras — mães, trabalhadoras, militantes —, mas que carregam nos braços, no colo e na alma, a tarefa diária de cuidar de filhos com deficiência. Em resposta a essa entrega contínua, enfrentam silêncio, descaso e a ausência de políticas públicas. Muitas vezes, carregam também o peso de ter que escolher entre o sustento e o cuidado.
Essas são as mães atípicas: mulheres que acordam antes do dia nascer para organizar remédios, terapias, rotinas clínicas; que enfrentam salas frias de espera, escolas despreparadas, sistemas de saúde — e ainda assim precisam "entregar produtividade", sorrir na reunião de setor, cumprir metas como se tudo estivesse no lugar.
No Brasil, não existe política pública nacional que dê conta dessa realidade com a seriedade que ela exige. A redução de jornada para servidoras públicas federais com filhos com deficiência, prevista no artigo 98 da Lei 8.112/1990, ainda é tratada como exceção — e muitas vezes negada por “falta de regulamentação”.
Para trabalhadoras regidas pela CLT, o direito sequer existe de forma consolidada, sendo garantido apenas por decisões judiciais isoladas, como a proferida em 2023 na Vara do Trabalho de São Miguel do Guaporé (RO), que determinou o retorno de uma mãe ao quadro funcional em regime de home office, sem prejuízo salarial, para que pudesse cuidar do filho autista.
Mas o que deveria ser política, ainda é interpretado como favor e, na maioria das vezes, precisa ser enfrentado através da judicialização do que já é óbvio e deveria ser política pública efetiva. O que deveria ser norma, ainda depende da benevolência de chefias e da coragem de mães exaustas, que precisam transformar cada pedido em batalha, cada ofício em ato de defesa da própria sobrevivência.
No funcionalismo público, onde a estabilidade deveria proteger a maternidade, muitas vezes a estrutura joga contra. Não há prioridade real em processos seletivos para vagas adaptadas. Não há protocolos claros de acolhimento. Não há formação continuada sobre parentalidade e deficiência. Em vez disso, há pressão, cobrança, desconfiança. Como se ser mãe atípica fosse uma falha de caráter.
Avanços legislativos ensaiam passos tímidos. O Projeto de Lei 2697/2024, ainda em tramitação, prevê incentivos para a contratação de mães atípicas no setor privado. Mas o serviço público, onde já há vínculo e histórico, se cala. Nenhuma política nacional enfrenta o problema de frente. Nenhuma pauta estrutural foi apresentada pelo governo federal nos últimos anos com foco nas servidoras com filhos com deficiência.
Enquanto isso, mães perdem progressões por faltas justificadas, abandonam cargos de confiança por não darem conta da sobrecarga, adoecem por excesso de responsabilidade. O serviço público, que deveria ser espaço de cuidado, age como reprodutor das mesmas lógicas patriarcais do setor privado: produtividade acima da vida, planilha acima da pessoa.
Afinal, quantas chefias sabem quantas horas leva uma crise convulsiva? Quantas reuniões são marcadas sem considerar a agenda de uma terapia ocupacional? Quantos setores entendem que “prioridade para teletrabalho”, prevista na Lei 14.457/2022, é mais do que uma linha na lei — é uma tenativa de respiro para quem vive no limite?
O Sintufs reconhece que mães atípicas não precisam de compaixão. Precisam de política pública com orçamento, prioridade e compromisso real. Precisam de espaços onde o cuidado seja estruturado, compartilhado e protegido.
Porque uma sociedade que cruza os braços para o cuidado está condenada a produzir abandono. E nenhuma mãe atípica deveria ter que lutar sozinha para existir/resistir no mundo do trabalho.