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O assédio e a saúde mental das trabalhadoras: violências e resistências
Data de Publicação: 04/04/2025
Psicólogas e técnicas-administrativas em educação (TAEs), Bianca Zupirolli e Edileuza Cruz analisam o impacto do assédio e da precarização na saúde mental das mulheres nas instituições de ensino
As violências no ambiente de trabalho nem sempre são visíveis. Assédio moral e sexual muitas vezes se manifestam de forma sutil, atravessando relações hierárquicas e permanecendo impunes. Quando essas violências atingem mulheres, os efeitos são agravados pela desqualificação, pelo silenciamento e pela sobrecarga emocional que se tornam parte da rotina cotidiana.
Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram um aumento expressivo nas denúncias de assédio. Em 2023, foram 1.281 registros, com 143 Termos de Ajuste de Conduta (TACs) e 45 ações civis públicas. Em 2024, os números subiram para 1.497 denúncias, 151 TACs e 50 ações. Somente nos primeiros meses de 2025, até o dia 6 de março, já foram contabilizadas 240 novas denúncias, 25 TACs e 6 ações. Esses números revelam que os espaços laborais continuam marcados por dinâmicas abusivas e por omissões institucionais que comprometem o bem-estar das trabalhadoras.
Um dos principais fatores que levam as mulheres ao silêncio é a falta de acolhimento institucional. De acordo com relatos de trabalhadoras que atuam em universidades, como Bianca Zupirolli, muitas mulheres que denunciam acabam sendo descredibilizadas e culpabilizadas. As instituições, em muitos casos, sustentam estruturas que acabam protegendo os agressores, reforçando a sensação de impunidade e insegurança.
Além dos casos de assédio explícito, outras formas de violência simbólica se acumulam e afetam a saúde mental das trabalhadoras. Microagressões cotidianas — como olhares de desprezo, interrupções em reuniões e dúvidas constantes sobre a competência profissional — produzem um efeito psicológico duradouro. Edileuza Cruz, TAE e psicóloga na Universidade Federal de Sergipe, aponta que essas situações contribuem para o adoecimento mental, com frequente ocorrência de depressão e ansiedade, muitas vezes, resultando em afastamentos do trabalho.
O sofrimento psíquico das mulheres não deve ser tratado como algo pontual ou individual. Ele está diretamente relacionado à precarização das condições de trabalho e à sobrecarga enfrentada por elas, especialmente em ambientes historicamente marcados por práticas masculinas. Bianca observa que há uma cobrança constante para que as mulheres provem sua capacidade, o que mina a autoestima, o pertencimento e a motivação no trabalho.
Nesse contexto, o suporte psicológico oferecido pelas instituições, embora importante, se mostra insuficiente quando não há enfrentamento das causas estruturais do adoecimento. Edileuza a que não é suficiente oferecer atendimentos com objetivos terapêuticos, se a organização do trabalho permanece adoecedora e hostil para as mulheres.
A análise das entrevistadas converge na constatação de que campanhas institucionais não bastam para enfrentar a violência. É necessário que as instituições se comprometam com a responsabilização dos agressores e com a criação de mecanismos efetivos de prevenção. Muitas denúncias ainda são ignoradas ou arquivadas, sem consequência alguma para os autores das violências.
O medo de retaliações também continua sendo um grande obstáculo. Muitas mulheres só decidem denunciar quando já estão profundamente fragilizadas emocionalmente, o que revela o quanto ainda é difícil encontrar segurança dentro dos próprios locais de trabalho. A criação de espaços seguros e confiáveis para que essas mulheres possam ser ouvidas e protegidas é apontada como passo fundamental.
Nesse cenário, o movimento sindical pode desempenhar um papel decisivo. Além de pressionar as instituições públicas por políticas afirmativas, os sindicatos podem elaborar cartilhas educativas, propor protocolos de atendimento e atuar como ponte entre trabalhadoras e órgãos como o Ministério Público e o Ministério do Trabalho. Para que essa atuação tenha credibilidade, é necessário que os sindicatos se posicionem como espaços de escuta qualificada e neutra, oferecendo apoio jurídico e acolhimento. Também cabe ao movimento sindical ajudar a romper a cultura do silêncio, como ocorreu em universidades onde só foi possível instaurar TACs após a mobilização coletiva e o incentivo à denúncia.
Iniciativas que visam dar suporte e espaços de escuta formam uma rede de apoio essencial à resistência das mulheres no ambiente acadêmico e sindical. É a partir dessas articulações que muitas trabalhadoras se sentem fortalecidas para apresentar suas pautas, denunciar violências e reivindicar direitos. Para as entrevistadas, o senso de coletividade e solidariedade é o que torna possível enfrentar as estruturas que perpetuam a desigualdade e o assédio. A união entre mulheres permite avançar, ampliar a voz e resistir às violências naturalizadas.
Embora ainda de forma fragmentada, entidades como o Sinasefe e a Fasubra vêm promovendo debates, encontros e cartilhas que discutem formas de combate à violência de gênero. Em alguns espaços, há também esforços pela construção de um protocolo coletivo e unificado a ser apresentado ao governo federal. A ideia é criar um instrumento nacional de enfrentamento à violência de gênero no serviço público de ensino. Para as entrevistadas, esse movimento ainda precisa ganhar força e articulação, mas representa um passo importante rumo à institucionalização de políticas de prevenção e acolhimento em escala nacional.
A luta contra o assédio e pelo cuidado com a saúde mental das trabalhadoras exige uma ação coletiva. Não se trata de casos isolados, mas de um sistema institucional que normaliza a violência de gênero. Romper com esse ciclo depende do engajamento de toda a sociedade — especialmente das instituições públicas, que devem assumir sua responsabilidade.